Visão crítica e responsável das empresas sobre as relações de trabalho, aliadas à proatividade do profissional, colaboram para o bem estar no trabalho
Carreira não é mero sinônimo de ciclos completados em uma ou mais empresas. O conceito tem maior amplitude e envolve a ideia de dar emprego a vocações e interesses, que são muitos e estão em sintonia com o jeito de ser de cada um.
Embora englobe todas as experiências profissionais experimentadas no decorrer da vida, a carreira é dinâmica, passível de ser aprimorada, alterada e até encerrada para atender a novas demandas e inquietudes. Sua construção revela uma forma peculiar de pavimentar o próprio caminho, com maior chance de sucesso para aqueles que enxergam os requerimentos do mercado, mas ao mesmo tempo têm ouvidos para os desejos – seus e dos outros. Ao contemplar todos estes aspectos com equilíbrio e unicidade, criamos espaço para uma satisfação genuína, com impactos importantes para nossa qualidade de vida.
Tratar corpo e mente de forma integrada é um pressuposto para viver com qualidade. Princípio similar se aplica às demandas pessoais e profissionais, que não devem ser dissociadas, sob o risco de um lado se sobrepor ao outro, limitando alegrias e possibilidades. Mais uma vez, o caminho é o equilíbrio, respaldado no esforço por criar mais momentos de alegria e prazer, no lugar de situações de estresse e pressão. A realidade, no entanto, impõe obstáculos que, por vezes, parecem intransponíveis.
Fusões, reengenharias, processos de informatização, cortes de orçamento, retração de investimentos das multinacionais, globalização dos negócios e vários outros fatores vêm exercendo forte impacto no mercado de trabalho, com significativa redução de oportunidades de emprego.
Essas mudanças promovem um crescente sentimento de insegurança e medo, afetando a organização do trabalho e a qualidade das relações nas empresas. Nesse emaranhado, como cuidar da própria carreira? E mais: quem se arrisca a mudar de emprego ou de carreira em tempos de crise?
A pressão forte e constante alimenta o sentimento de débito. Sem conseguir atender às expectativas, o profissional “compensa” aceitando com naturalidade o acúmulo de tarefas e as responsabilidades em demasia. Ir contra a própria natureza, então, passa a ser rotina, gerando grande sofrimento mental e físico. Em níveis adequados, a pressão estimula o desenvolvimento e a ação. Por outro lado, em excesso e associada ao impedimento de realizar os trabalhos com autonomia e criatividade, a pressão se transforma em opressão, que limita e engessa.
O sentimento passa a ser o de frustração constante, com sobrecarga psíquica. Discursos que não encontram respaldo na prática, a falta de feedback por parte de chefes e pares e a trajetória desenvolvida em função do desejo do outro tornam insuportável o cotidiano nas organizações. É por isso que o número de pessoas aliviadas com a demissão tem aumentado drasticamente.
Se o antídoto exige das empresas uma visão mais crítica e responsável quanto à organização do trabalho, prevê também a proatividade do profissional, que deve se aproximar de si mesmo e de sua natureza. Só assim conseguirá imprimir vida e qualidade à sua existência, tomando as rédeas do destino e de sua carreira.
Sobre a autora:
Mariá Giuliese – Psicóloga, mestre em psicanálise e especialista em psicologia clínica e organizacional pela PUC São Paulo. Dedica estudos e atividades profissionais ao acompanhamento de processos de transição pessoal e profissional. Desde 1978 orienta e aconselha executivos e atua como professora e consultora em cursos e projetos de especialização e pós-graduação em universidades e instituições educacionais como PUC, Mackenzie, FEI, FMU, FAAP, UFMS, Mauá, INSPER e Fundação Dom Cabral.
Artigo feito para a ANEFAC (Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade), em 2005.