Economia compartilhada é o despertar para uma nova forma de viver, relacionar-se e fazer negócios

Preparado para a era da economia compartilhada?

A economia compartilhada acompanha mudanças importantes na forma que vivemos, nos relacionamos e fazemos negócios. Há alguns anos escrevo e palestro sobre esse tema, em diversas oportunidades, mas ainda observo nas conversas com executivos que muito pouca atenção está sendo dada para esse fenômeno. Até sua definição acadêmica é problemática, não havendo consenso sobre seu significado ou o que representa realmente. Mas o fato concreto, e que pode ser facilmente observado, é que empresas que construíram modelos de negócio com base na economia compartilhada estão mudando mercados, afetando negócios e transformando setores, antes bem estabelecidos e consolidados.

O Dilema da inovação

No dia a dia, concentramos toda a atenção no cenário que conhecemos e que vemos, e as mudanças sutis, que ameaçam nossas vidas e nossas carreiras, passam despercebidas. Clayton Christensen, em seu livro de 1997 “The Innovator´s Dilemma”, já afirmava que muitos fracassam exatamente porque fazem tudo certo, mas não conseguem se defender das tecnologias de ruptura.

O poder do pensamento matemático

Em seu livro ”O Poder do Pensamento Matemático”, Jordan Ellenberg conta que na Segunda Guerra Mundial os americanos tinham criado um Grupo de Pesquisa Estatística (SRG, em inglês) que uma vez se defrontou com o seguinte paradoxo: os militares norte-americanos queriam blindar seus aviões contra os caças inimigos. Mas a blindagem tornava as aeronaves mais pesadas. Aviões mais pesados gastam mais combustível e são mais difíceis de manobrar. Por isso, blindar demais ou de menos seria igualmente um problema. Qual seria o ponto ideal?

Os dados coletados e mostrados ao SRG revelavam que quando os aviões voltavam de suas missões estavam cobertos de furos de balas, mas os danos não eram distribuídos uniformemente. Havia muitos furos na fuselagem e quase nenhum nos motores. Parecia fazer sentido blindar a fuselagem. Será? A blindagem, segundo Abraham Wald, um matemático do SRG, não deveria ir onde os furos de bala estavam, mas onde não estavam. A sua sacada foi simplesmente perguntar: onde estavam os furos das balas que faltavam? Eles estavam nos aviões que não voltaram. A razão dos aviões voltarem com poucos pontos atingidos nos motores era que os muito atingidos simplesmente não voltavam. A blindagem deveria, portanto, ser feita nas partes onde não havia furos.

A economia compartilhada e as mudanças que você pode não estar vendo

A AirBnB hospeda, por noite, mais hospedes do que a rede Hilton Worldwide – uma das maiores redes hoteleiras do mundo. O Uber vale muito mais do que empresas como United, American e Delta. Usar um veículo e não possui-lo pode passar a ser um novo conceito de vida em muito pouco tempo. Algumas empresas automotivas já começam a despertar para este sinal e estão lançando projetos exploratórios. Um exemplo é o DriveNow, da BMW, que oferece serviço de mobilidade de carros premium para quem não pode comprar um e nem pretende usá-los por muito tempo.

Veja este artigo que saiu em dezembro de 2014 no jornal inglês The Telegraph, “We’ll make driving so cheap only the rich will buy cars”. A ideia por trás dele é que as pessoas querem a mobilidade oferecida pelo carro, mas sem necessidade de comprar um.

Esse modelo econômico de compartilhar, aproveitar equipamentos e horas de pessoas que estão subutilizadas anda de mãos dadas com a crescente consciência ambiental da sociedade e com a constatação que, dificilmente nos próximos anos, o crescimento econômico do mundo será igual ao de antes da crise de 2008. Uma pesquisa feita nos EUA mostra que 81% das pessoas concordam que é muito mais barato compartilhar bens a possui-los individualmente. Creio que esse pensamento faz todo sentido por aqui também.

Outro fator impulsionador da mudança é a conveniência, possibilitada pelos apps nos smartphones. Com softwares intuitivos você requisita todo tipo de serviço. Aluga um veículo, solicita comida, um motorista, reserva um quarto livre ou uma residência, sem burocracia, sem os métodos criados na sociedade industrial, seguindo processos inteiramente conduzidos nos meios digitais.

A base da economia compartilhada é a reputação

Pesquisas feitas nos EUA e até na Europa mostram que 64% das pessoas acreditam que a regulação pela própria sociedade (peer regulation) é mais importante e eficaz que a imposta pelos governos. Aliás, estudo da Nielsen “2012 Global Trust in Advertising Survey” mostrou que 92% dos consumidores em 56 países acreditam mais na opinião e recomendação de amigos e família do que qualquer outro meio de propaganda. Com a disseminação das plataformas sociais, como Facebook e Twitter, a sociedade passará a ter mais controle sobre uma marca do que a própria marca.

A economia compartilhada afeta a todos

E que tal pensar no comércio de produtos e serviços? Nos EUA, o Yerdle usa o conceito das pessoas trocarem suas coisas por créditos que podem ser usados para comprar coisas de outras pessoas. O Poshmark é um brechó digital no qual cada um pode ser comprador e vendedor. Aparentemente, não oferecem risco para o comércio tradicional. Outro exemplo são os serviços como os do Handy (nos EUA) que oferecem de faxina à montagem de móveis de maneira fácil e conveniente, por intermédio de um aplicativo. As seguradoras oferecem serviços similares a seus segurados, mas todos nós sabemos que há um preço no prêmio para isso. Por que pagar mensalmente para ter um serviço que nem sempre será usado se posso pagar apenas quando usar, ou seja, tê-lo e pagá-lo on-demand? É o conceito da computação em nuvem, o Pay as You Go.

Então, que tal reexaminarmos nossas carreiras?

Que tal reexaminarmos nossas carreiras e nossos negócios, verificando as alternativas criadas na economia compartilhada, que podem ser aproveitadas para construir estilos de vida e desenvolver modelos de negócio competitivos, conscientes e mais baratos do que os que temos hoje?

A economia compartilhada faz uso de espaços livres e recursos que não são utilizados o tempo todo, como academias, escolas e restaurantes. Pode usar o período ocioso das pessoas (cada vez menos teremos empregos formais no futuro) e aproveitar melhor equipamentos que ficam desocupados a maior parte do tempo, como automóveis, máquinas de lavar, furadeiras, etc.

A disrupção é inevitável. Talvez, a economia compartilhada não venha a afetar diretamente a todos, mas seus efeitos chegarão, de alguma forma, para a maioria das pessoas. Os clientes de empresas desse modelo exigirão das demais corporações experiências similares em termos de conveniência e processos digitais.

É necessário, portanto, posicionar-se diante dessas rupturas.  E você, assim como todos os profissionais e prestadores de serviço tem grande responsabilidade. Em cenários cada vez mais instáveis, como os que visualizamos pela exponencialização da evolução tecnológica, temos que pensar de forma diferente nas nossas estratégias de negócio. Quanto mais compreendermos os novos e desafiadores cenários, mais condições teremos para redirecionar as nossas carreiras.

Novos caminhos, novos mapas.

Sobre o autor:

Cientista econômico pela UFRJ e mestre em Ciências da Computação pela PUC-RJ, Cezar Taurion é diretor sócio da Digital Transformation & Economy na Kick Ventures. Antes passou por grandes empresas, atuando como Diretor e líder de IT Strategy na PwC, e Chief Evangelist da IBM Brasil.