Ao assumir sua parte nos problemas da empresa, influenciando outros a fazerem o mesmo, você se torna um protagonista e deixa sua marca na organização

Um líder deve ou não pedir desculpas?

Um líder deve pedir desculpa? Estávamos em sala de treinamento, em um país europeu. Local reservado, presença controlada. A situação era tensa, pois a empresa estava iniciando um processo de mudança nos negócios, com a transferência das atividades de BackOffice para outra localidade. Esta transição teria forte impacto nas equipes – muitos cargos desapareceriam em seis meses com as mudanças. As lideranças, ali presentes, souberam dessa notícia, apenas no dia anterior.

– Será que ainda terei emprego? Como falarei isso para a meu marido ou esposa? E para equipe? Meus líderes planejaram tudo isso há meses e nem me falaram nada?

Era possível perceber esses pensamentos, em todas as lideranças ali presentes.

Além de liderar o processo de transição, cada um receberia a missão de cuidar da motivação e retenção das equipes, em especial dos profissionais que fariam a transferência do conhecimento para a empresa parceira, de origem indiana. Caberia a eles a missão de manter o moral e tirar dúvidas após o “announcement” oficial das mudanças feito pela diretoria.

Tratava-se de um tremendo desafio, considerando que muitos haviam sido recém-promovidos para posições de liderança e nem todos tinham experiência para lidar com situações assim, potencialmente explosivas. O autocontrole e autoconhecimento seriam aliados valiosos naquele momento em que acontecia um turbilhão de emoções.

Os líderes se sentiam, de certa forma, fragilizados e com pouco tempo para se recuperar, pois logo teriam de comunicar as mudanças para suas equipes. Neste caminho, apareceram muitas questões colocadas por eles:

– Por que isto está acontecendo justo comigo? O que vou dizer para meu time se perguntarem se eu já sabia? Se disser que não sabia, vão me achar fraco. Se mentir e disser que sabia, vão me chamar traidor. E agora?

Ao longo da capacitação, os participantes foram se dando conta de que tudo que estavam passando não era algo particular. Eram as emoções humanas que todos passamos quando uma mudança muito forte e imposta acontece. Eles se deram conta de que cada um tem seu ritmo próprio para enfrentar a “curva” de emoções, prevista no modelo da Elisabeth Kübler-Ross, até que chegassem na aceitação dos fatos. Não se deve – nem se pode – acelerar a caminhada e o processo de evolução de cada um, por esta curva.

A pergunta incômoda: Um líder deve pedir desculpa?

Em um determinado momento, um jovem de origem alemã, que tinha fama de durão e que possuía certa influência no grupo, levantou a mão e me perguntou: “Um líder deve pedir desculpas?”

Pela forma como a pergunta foi realizada, dava para notar que ele já esperava uma resposta, provavelmente mais para o “não”. Achei a dúvida pertinente, o que me inspirou a escrever esse texto.

Como toda situação, não há resposta absoluta. Respondi a ele que se o líder está se culpando por algo que aconteceu e foi fora de seu controle, ele não está sendo justo consigo mesmo ao se culpar. Se a mudança foi imposta, como ocorre em qualquer organização, resta a ele implementá-la da melhor forma possível, sabendo que haverá pessoas da equipe que ficarão pouco satisfeitas. Alguns subordinados questionarão sobre o papel que esperavam que ele desempenhasse: “Por que você não foi contra essas medidas?” ou “Por que não nos comunicou sobre isso logo que soube?”. Uma boa parte da capacitação foi justamente para treinar como responder a esses questionamentos, sem que o líder fosse levado a agir com paternalismo, frieza ou mesmo se fragilizar.

A confiança entre o líder e a equipe

A confiança entre o líder e a equipe é fundamental para se construir um time que discute os problemas sem medo, de forma transparente, e se compromete com as soluções decididas em grupo – como afirma o autor Patrick Lencioni em seu livro “Os 5 desafios das equipes”.

Em um momento como esse, é natural que a confiança sofra um abalo temporário. A ação das lideranças será decisiva para que as coisas voltem aos eixos. Para isso, o líder deve em primeiro lugar estar muito convicto de seu papel, de que não tem – nem pode ter – o controle sobre tudo que impacta a sua área e que esse fato não o torna um líder mais fraco ou menos importante. Ele deve, sim, mostrar, com ações e conversas francas, que se preocupa, se importa com sua equipe e se compromete de verdade a fazer tudo para apoiar a cada membro na construção da ponte para atravessar o período de mudanças. Não adianta fazer isso no discurso, dizer que se importa ou fazer mil promessas. O que vale é a prática!

“What do you do speaks so loudly that I cannot hear what you say.”
“O que você faz fala tão alto que não consigo ouvir o que você diz”.
Ralph Waldo Emerson, escritor e filósofo norte-americano (1803-1882)

Historicamente, em outras mudanças naquela empresa, grande parte das pessoas conseguiram recolocação interna. Mas o líder não pode ceder à tentação de prometer a todos que serão recolocados, porque simplesmente isso não é verdade, alguns infelizmente não encontram um lugar em outras áreas. Os fatos devem ser enfrentados – e aqui não há espaço para ceder às tentações de fazer promessas irreais do tipo “vou certamente recolocar todos” numa tentativa de apaziguar os ânimos temporariamente. O líder será cobrado por quebrar sua promessa mais adiante, e quebrará a relação de confiança.

Uma vez que o líder tenha clareza sobre essas coisas, não há razão para se desculpar pelos fatos, pelas mudanças em curso. E não há razão para açucarar a situação, os fatos devem ser apresentados como eles são e, ao mesmo tempo, o líder deve abrir espaço para reconhecer e acolher os sentimentos que aflorarão de cada um da equipe, afinal todos tem direito de sentir as suas próprias emoções. Ao demonstrar, pela sua ação, que se importa com as pessoas, o líder cria espaço para ser ouvido e considerado, mesmo em face de todos os acontecimentos e incertezas.

Quando o líder deve pedir desculpas?

Então, quando o líder deve pedir desculpas? Quando “errar na mão”, quando fizer algo que seja inadequado. O líder que quer passar a imagem de sempre estar certo e que não assume sua parte nos problemas que enfrenta, vai incentivar a equipe a fazer o mesmo e alimentar uma cultura de falta de comprometimento e descaso. O líder que reconhece seu lado humano, que pede desculpas quando, em um momento de raiva, deixa escapar um comentário rude, tende a ganhar pontos com a equipe, construindo relacionamentos produtivos e um clima saudável na organização. Por admitir que não é infalível, ele cria também espaço para construção da confiança.

Os profissionais que assumirem sua parte nos problemas que enfrentam nas empresas, tomando a frente para fazer a coisa certa e influenciar os outros a fazerem o mesmo, agirão como protagonistas e terão a oportunidade de deixar uma marca indelével para a organização, praticando uma atitude que cada vez se torna mais valorizada no mercado de trabalho.

Sobre o autor:

*Dante MantovaniCoach Certificado e Consultor de Educação Corporativa, AssessmentChange and Conflict Management, Desenvolvimento de Lideranças e Desenvolvimento Organizacional. Facilitador certificado no programa de Liderança Situacional II® – LS II ® da The Ken Blanchard Companies e Certificado em DISC pela Success Tools e SDI para gestão de conflitos.

Atuou como executivo nas áreas de ProcurementGestão de Projetos, Desenvolvimento Humano e Organizacional e Gestão de Unidade de Negócios. Docente dos cursos de Pós-Graduação da FIAFGV e BSP.

MBA pela Boston College (EUA), engenheiro pela POLI-USP e psicólogo. Pós-Graduado em Educação no Ensino Superior e fluente em inglês. Mestrando na FEA-USP.